Jorge Cunha, Maria Celeste Natário e Renato Epifânio (coords.), Palavra, escuta e silêncio: Filosofia, Teologia e Literatura,
Porto,Universidade Católica Editora, 2014
[Na totalidade, vinte e uma reflexões de filósofos que falam de poesia, de teólogos que fazem reflexões sobre a poesia com grande dose filosófica, e de poetas que entram num labirinto de razões que às vezes apontam para o além (teologia).]
É conhecida a célebre frase de Johann Wolfgang von Goethe: “Falar é uma necessidade, escutar é uma arte”. Mas, no mundo da Internet, da televisão, das redes sociais, da… o problema não é tanto gerir a necessidade de falar e dominar a arte de escutar, quanto libertar-se do barulho e da confusão em que estamos mergulhados, e aprender uma noção que verdadeiramente existiu e, ainda por incrível que pareça, existe: o silêncio!
Há um barulho do som mas também há um barulho das letras e das artes das letras, dos raciocínios e dos sentidos orientados das palavras faladas, escritas ou não ditas. O presente livro acredita que “Todas as palavras têm uma origem misteriosa” e assim inicia um dos coordenadores no Prefácio – o prof. Jorge Cunha – a apresentar um volume onde os autores tiveram a experiência de falar de e escrever, com o compromisso de escutar e silenciar, para dar o protagonismo às palavras e assim realmente “encontrar-se”. E, de facto, o livro nasce de um (verdadeiro) Encontro (de verdade) promovido pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e pela Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa – Porto. O livro publica os trabalhos compartilhados naquele espaço de partilha (e agora partilhado) de artistas do logos que cria e é criado, das palavras e da razão: filósofos, teólogos e especialistas em literatura. Na totalidade, vinte e uma reflexões de filósofos que falam de poesia, de teólogos que fazem reflexões sobre a poesia com grande dose filosófica, e de poetas que entram num labirinto de razões que às vezes apontam para o além (teologia). Todos convencidos de que a sua palavra é a continuação daquelas escritas por Dalila Pereira da Costa, de quem o livro fez memória: “Na impossibilidade das humanas palavras, a teologia naturalista de S. João da Cruz, manifestada na sua poesia e prosa, apontara para o vero plano desse Ser atingido, a ‘música Calada’, como sua secreta essência. Silêncio, que Beethoven expressou nos adágios de algumas de suas sonatas e notadamente seus quartetos, e Schubert, nas suas obras póstumas: silêncio que marcará a plena verdade de Deus: o Silente. No polo oposto ontológico e teológico, desde o mais alto celeste até ao mais baixo infernal, estará o barulho, como reino do Demónio” (Os instantes XIII).
A relembrança analisada da artista da palavra (poeta), da razão (filósofa) e da vida essencial (mística) Dalila Pereira da Costa, constitui a primeira proposta do livro, não deixado ao acaso: “Dalila Pereira da Costa: o veneno tutelar no facere, o dizer os êxtases” (pp. 11-24), onde Alexandre Freire Duarte toca o cerne do sentir místico, a tradição poética e a sua decida aposta pelo amor oferecido gratuitamente. Poesia e literatura também presente na filosofia contemporânea europeia e portuguesa, como mostra António M. Costa (“Filosofia e poesia em Leonardo Coimbra: de A Alegria, a Dor e a Graça a Adoração, cânticos de Amor”, pp. 25-35), que inicia o seu trabalho com estas palavras: “A poesia desde sempre esteve presente na reflexão filosófica como uma espécie de elemento central de uma reflexão segunda, mais profunda e rica em significado. Bastará apenas recuar a Platão para percebermos daquilo que estamos a falar” (p. 27). Tradição bem antiga e sempre presente, como nos recorda Manuela Brito Martins (“As ressonâncias e as incidências helénicas na poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen”). Testemunhos desta relação há muitos no presente livro, quer em torno do sentido (Carlos Mota); quer no que se refere às experiências doutros filósofos, além de Dalila e Leonardo Coimbra (Costa e Samuel Dimas): Novalis (Catarina Costa), Heidegger (Cristiana de Soveral), Jean-Luc Nancy (Hugo Monteiro e Nuno Higino); quer no sentido poético da teologia (A mística e a filosofia: Manuel Lázaro; “A árdua nomeação de Deus em Sophia e Agustina”, apresentada por J. Cunha) e vice-versa, no sentido teológico da poesia (na poesia de Eugénio Andrade: Ricardo Aguiar). Não podemos esquecer as referências à abertura da poesia à filosofia – à metafísica – propostas nos trabalhos de José Costa Macedo (sobre Ramos Rosa), a revalorização da tradição portuguesa do sebastianismo como fenómeno poético e espiritual (José Almeida) ou a interconexão entre ambas (poética e filosofia) no exercício próprio do filósofo e do poeta: o caso de Schopenhauer e Borges, trazido à nossa memória por José Eduardo Reis. Às vezes, as reflexões apontam ao pessimismo quixotesco (Julia Alonso Dieguez); outras ao romance de reminiscências orientais (“Barthes: o haiku, o romance… e a filosofia”, por Luís G. Soto). E, obviamente, a abertura às outras artes, como a dança e a música (em Dora Ferreira da Silva, por Constança Marcondes César).
Filosofia, teologia, poesia… uma verdadeira “experiência de pensar” (como os Aforismos de José Marinho, que nos propõe Renato Epifânio lindamente). Palavra, escuta e silêncio relembrados aqui no recolhimento franciscano (M. Lázaro), na poesia de Eugénio andrade (R. Aguiar), na poesia de Daniel Faria (José Pedro Angélico). Mas já fez muito barulho. É agora que vocês têm que ler: desde o silêncio escutar as palavras.