Category: Nº3-

Isabel Carvalho

Esquemas do ritmo cíclico percorrem as intensidades mais fortes e radicais, oscilações de prazer e de dor, no decurso, em simultâneo, da estrutura linear simplificada das hagiografias – primeiro impõe-se o mal e depois o bem. Eles aproximam-se da representação da natureza a que escritor e pintor, por intermédio de outrem algures distante no tempo e na geografia, tão bem sabem que não lhes pertence mas da qual fazem parte. Sem malícia, a bravura e a docilidade das relações humanas, o amor radicalizado no sacrifício, são caracterizações a que a natureza é indiferente. (more…)

Maria do Mar Fazenda

A curadoria de uma exposição pelo próprio artista, na época de Amadeo, é uma circunstância absolutamente inovadora. Apesar de Amadeo na altura não ter sido referido como “curador”, até porque esta figura ainda não tinha sido profissionalizada, hoje, com o reconhecimento desse trabalho realizado por Amadeo nas mostras de 1916, podemos afirmar que foi curador do seu próprio trabalho – o que é aliás, uma das teses veiculada pela exposição «Amadeo de Souza-Cardoso. Lisboa–Porto. 2016–1916». Nas duas mostras em que esta exposição se foca, Amadeo, para além de ter produzido as obras, selecionou-as e transportou-as, escolheu e alugou os espaços onde viriam a ser apresentadas, desenhou a sequência e a sua disposição no espaço expositivo, escreveu o comunicado de imprensa, editou o catálogo, e podemos ainda fantasiar sobre as visitas orientadas à exposição que terá acompanhado, e especular em torno de um ciclo de conferências organizado no âmbito da exposição, tal como o concebido pelas curadoras Raquel Henriques da Silva e Marta Soares para o contexto da sua exposição. (more…)

José Carlos Pereira

Almada e Amadeo: duas almas levantadas, dois pintores que concebem o ato de ver como a via privilegiada de acesso ao real, como ato que radica numa realidade originária, polarizada entre o visível e o invisível, a partir de uma dimensão maioritariamente inteligível (em Almada), e sensível (em Amadeo), sendo que, em ambos os artistas, uma e outra tendem a harmonizar-se num Todo. Para Almada, artista e filósofo, a sua conceção do ato de ver resgata a suspeita que pendeu historicamente sobre a ocularidade, desde Platão a Descartes. A partir desta realidade, apresenta-se a arte como um meio de revelação da verdade: “Arte era a solução”, afirmou Almada, anos mais tarde. E não apenas a solução para aquele tempo, como, em larga medida, para o nosso, dentro do qual a noção de “belo” progressivamente se reconfigurou, como já se reconfigurava à época desses “dois grandes poetas de Orpheu: Sá-Carneiro e Amadeo”, como escreveu Almada, em balanço do movimento órfico, meio século depois. (more…)

Filomena Vasconcelos

I – “O descritivo prova a insuficiência do cérebro, o inventivo a existência de uma ideia” (Amadeo de Souza-Cardoso)

Assim escrevia Amadeo de Souza-Cardoso, em finais de 1912, numa carta ao tio Francisco, que na família era quem melhor o entendia e desde sempre o incentivara na esteira das artes, longe da terra-mãe, na efervescente Paris do início do século XX. Diria Almada Negreiros, em 1916, que Amadeo era a “primeira descoberta de Portugal na Europa do século XX” (apud França, 2011, p. 173). (more…)