Com Sophia de Mello Breyner nas palavras que invocam o silêncio sagrado da Vida

Com Sophia de Mello Breyner nas palavras que invocam o silêncio sagrado da Vida

29 Outubro 2019

Escrito por SAMUEL DIMAS

A sensibilidade do poeta que se alegra com o esplendor do mundo de forma apaixonada é a mesma com que se revolta perante o sofrimento e a injustiça, numa coerência íntima e fiel de louvor e protesto que é expressão do desejo de rigor e verdade, intrínseco à estrutura do poema. 

Crawford Jolly

1. O excesso vital de ser

(…) nem toda a realidade pode ser dita pois nem toda a realidade  pode ser realmente objectivada.  O “puro” vivido é irredutível  a uma consciencialização directa.1

A vida tem um silêncio próprio que não espera pelos conceitos que o discurso predicativo cristaliza. Agarra-se de imediato à pele e derrama-se instantaneamente no fluxo opaco das artérias e etério das vias respiratórias. Talvez uma atenção mais fina, pela mediação da metáfora, nos permita desvelar algumas cores e ritmos desse estremecimento vital.

Mas não nos iludamos, porque há uma inadequação intrínseca entre o conhecer e o ser, que não advém da insuficiência das intuições imaginativas e das noções representativas, mas sim do excesso inefável da realidade que se dá na sensação e na inteleção, na intuição e na dedução, na perceção e no juízo. Há sempre um mundo a transbordar para fora e para dentro de nós e um desconcerto, um desconforto que não permite a sedentarização das ideias e das ações. Esta lucidez está patente na poesia metafísica de Sophia de Mello Breyner Andresen, que aqui celebramos, pelo que não é estranho que confesse que se sinta muito heideggeriana2 e que se identifique com a arte ancestral do mistério, em que a visão daquilo que está para vir se dá através de ingnorâncias ou não-visões. Na escadaria íngreme da verdade, o ser revela-se ao mesmo tempo que se oculta, por via da transcensão do pensamento categorial, que apenas oferece a representação objetiva e subjetiva, num modo intuitivo e mais originário do pensar transcendental.

Mas por outro lado, e paradoxalmente, também há uma radical comunhão ontológica que não admite que nos desorientemos no cepticismo agónico e no caos alienante e relativista da profunda obscuridade subjetiva, tal como também reconhece, ao admitir a possibilidade da coincidência do nosso ser com os seres, uma relação de co-pertença ou conaturalidade primordial.3 Teremos sempre a luz noturna da estrela polar a conduzir o nosso desejo natural do absoluto, não aquele que nos é imposto pelos limites do fecho perfeito da abóbada, mas o que nos é oferecido na colaboração cúmplice entre a criação humana e a criação divina, tal como se espelha no azul infinito dos tetos das capelas imperfeitas da Batalha. A instância da realidade não é a razão, porque, ao contrário, é o Mistério da realidade que é a instância da inteligibilidade e devemos recebê-lo com o respeito e a educação de um filho agradecido.

Talvez um cuidado maior, pela mediação da transpredicação e da transconceptualização, nos permita acolher a experiência antepredicativa e atemática de ser que se oculta na racionalidade lógico-analítica. Talvez a linguagem poética do excesso e do paradoxo permita a manifestação mais integral da vida que, na sua textura afetiva e amorosa, se oculta na analítica geometrizante do cálculo e do princípio silogistico da não contradição. Mas não nos iludamos, haverá sempre um resquício de matéria inviolável, a mesma que dá os doirados de outono e o verde transparente do mar. A mesma que dá o azul infinito do céu em que vagueia a insatisfação dos sonhos e o ânimo da esperança.

A vida exige uma generosidade autêntica e uma confiança incondicional, que não se compadece com quem procura obsessivamente a permanente evidência das coisas e o poder da manipulação. São ásperas, angustiadas e cruéis as expressões de quem se escraviza nessa ilusória demanda. A poesia apenas se dá num magnânimo desprendimento da futilidade e da mesquinhês. A nossa amiga Sophia, com quem tive o privilégio de privar no ano de 1996, uma vez por semana, na luminosa sala da sua casa na Graça, tinha a lúcida consciência deste excesso vital da realidade que não é passível de total objetivação. A luz que entrava do espelho do rio pelo alpendre tinha um encantamento divino e permitia a celebração das palavras, agudizada pelos movimentos inesperados e fantasmagóricos do seu filho especial Xavier, por quem tinha um amor que chama de “amor louco”. A nudez da realidade encarna sempre nesta tensão inexorável da luz e da sombra que a vida impõe pelo absurdo de uma incompletude indefinivel. Assim, discorda frontalmente de Jorge de Sena sobre o poder ilimitado das palavras, enquanto descreve os seus passeios com os filhos por entre as grutas da costa recortada de Lagos e se admira com o contraste entre a terra seca dos algarves, o seu casario branco e singelo e o mar barroco escavado de todas as cores.

Esta frontalidade advém do facto de Sophia nunca ter perdido a coragem com que nasceu, própria das crianças e dos poetas que se admiram de forma inocente e pura. Sempre em desencontro com o mundo das intrigas políticas e literárias e dos jogos palacianos do poder, a sua obra de tempo e eternidade procura a harmonia da realidade na convição de que poesia e vida são a mesma coisa. Daí o seu lamento de que por vezes, na azáfama das tarefas da casa, das compras e do cuidado dos filhos, fica tudo mal vivido e mal escrito. À pressa não se vive, apenas se morre ou sobrevive. O sangue da vida, que é feito de amor, enfraquece nas sangrias sacrificiais do cálculo, das contas e da estratégia que enfermam o mundo de coisas e penúrias. A arte literária da poesia não é para Sophia uma técnica e um trabalho, mas uma forma de vida e de redenção.

A sensibilidade do poeta que se alegra com o esplendor do mundo de forma apaixonada é a mesma com que se revolta perante o sofrimento e a injustiça, numa coerência íntima e fiel de louvor e protesto que é expressão do desejo de rigor e verdade, intrínseco à estrutura do poema. Neste labor árduo presentifica-se a dignidade e a liberdade do ser e concretiza-se a nobre contribuição para a formação de uma consciência comum permeável ao amor e atenta ao bem. Por este motivo, não podemos perder tempo com as formas de religiosidade em que os deuses são demónios, num mundo de terror, esgar e crueldade. Esta delicadeza é tecida pela menina do mar.

 

2. A coexistência entre a razão e o mistério

Mas os templos gregos só são compreensíveis situados no mundo que os rodeia. A ligação entre a arquitectura e o ar, a luz, o mar, os promontórios, os espaços, é total. E essa ligação é simultaneamente racional e misteriosa, profundamente íntima.4

Quando me perguntam quais são os meus heróis da poesia, não respondo com nomes, mas com vidas poéticas que fixam as suas raízes no chão profundo da terra metafísica e lançam os seus ramos para o horizonte infinito do mar saudoso. A poesia de Sophia tem as raízes, não no homem, mas no cosmos, porque o seu saber é profundamente ontológico. A sua religião não é a dos ídolos criados pelo homem, mas é a do Universo criado por Deus indizível e misterioso.

É por isso que prefere o encanto natural e austero dos templos gregos, no halo azul das ilhas e do mar com cheiros a resina e a mel, ao encanto das basílicas romanas demasiado mundanas e centradas no homem e nas suas virtuosas capacidades. Define essa experiência da Acrópole como um encontro de inaudita religação sagrada com o real, numa religiosidade tão intensa, tão nua e tão solene, que só em Ésquilo se encontra igual. Confesso a memória do mesmo sentimento, quando a realidade divina se me revelava na encosta da serra, entre o verde do pinhal e o azul do céu e do mar das Berlengas, e se me ocultava numa ausência dramática na oração monótona do terço e na ladainha angustiada da via-sacra.

Na Grécia, o mistério dá-se na luz do Sol e na leveza do ar, dá-se na intensa cumplicidade entre a austeridade e a doçura, naquilo que define como uma identidade entre o físico e o metafísico. Está Sophia rendida ao panteísmo pagão? O seu encanto religioso está presente essencialmente na experiência de íntima e simultânea ligação entre o oceano insondável e obscuro do Mistério e a ilha luminosa e ordenada da razão, o que não consegue encontrar na civitas. No entanto, confessa não ter vindo paganizada da Grécia, mas sim com uma nova compreensão da pregação de São Paulo na Acrópole e com um novo entendimento sobre a necessidade vital de religação com a natureza e o Cosmos.

Por paradoxal que pareça, identificamos nesta íntima confissão uma atitude que recusa o dualismo ontológico e antropológico de Platão e adere à visão sagrada do mundo das religiões poéticas pré-helénicas naquilo que Eudoro de Sousa diria ser uma perfeita e harmoniosa unidade indiferenciada entre Deus, o Homem e o Mundo. É evidente a sua valorização da realidade natural corpórea, por contraposição com as visões espiritualistas que concebiam a realidade maligna e ilusória do Mundo. Mas não significará esta proposta, uma troca do gnosticismo dualista do Mazdeísmo e do Maniqueísmo pelo gnosticismo monista e panteísta do politeísmo mítico e do Estoicismo? Como conciliar o teísmo cristão, que não abdica da transcendência de Deus e da diferença ontológica entre o Criador e as criaturas, com esta religiosidade que dá prevalência à imanência e apresenta a indistinção entre o físico e o metafísico?

Bom, ou estamos em presença de um cristianismo ortodoxo, ou em presença de um sincretismo religioso de tendência panteízante, tal como acontece com Teixeira de Pascoaes. Na verdade, só é possível afirmarmos a identidade entre Deus e o Mundo, sem cairmos num panteísmo, se, ao mesmo tempo, afirmarmos que quanto maior é essa identidade maior é a sua diferença, quando maior for a imanência de Deus no Universo natural, maior é a sua transcendência. Só através de uma conceção analógica da estrutura ontológica da realidade e de um consequente discurso trans-conceptual, que se fundamente no princípio de identidade e não no princípio da não contradição, se pode falar a transcendência imanente e da imanência transcendente de Deus sem cair em contradição ou sem cair no panteísmo.

Independentemente da clarificação lógica e ontológica, exigida pela filosofia, através de um debate metafísico que se tem desenvolvido na contemporaneidade para recuperar a legitimidade da noção teísta de presença divina no mundo ou de presença da transcendência de Deus na imanência do Mundo, encontramos na intuição poética de Sophia a comum preocupação de reconhecer nas criaturas e na relação harmónica do homem com a natureza a manifestação de Deus. Não estamos em presença de um racionalismo deísta, que nega a relação com o divino através do Mundo, nem na presença de um fideísmo que opõe razão e mistério, relegando a questão de Deus para o plano privado da fé e da crença, mas estamos em presença de uma racionalidade estética de caráter poético que concebe a inteligibilidade da realidade de forma integral, captando a sua densidade vital e afetiva e não se limitando à objetividade empírica e factual.

Crawford Jolly

É neste contexto que se compreende o seu lamento: “A civilização ocidental traiu a imanência. Talvez essa traição tenha começado em Sócrates e Platão que a beberam na ‘Sabedoria da Ásia’. O ser deixou de estar na physis e passou a estar no logos”.5 O anticlerical Jorge de Sena concorda com esta denúncia, considerando que essa mácula está nos budismos, bramanismos, maometanismos e cristianismos: “Por tudo isso é que me considero e considerarei sempre um católico ateu, anti-cristão, liberal e socialista-marxista”.6 Encontramos nesta perspetiva uma alusão ao dualismo gnóstico entre transcendência e imanência, reduzindo o mundo a uma mera aparência e ilusão de que a alma se teria de libertar para poder ascender ao divino e contemplar a ideia de Bem. Da mesma maneira, encontramos uma crítica à tradição das grandes religiões da Era axial que, no receio dos monismos panteístas das religiões míticas que afirmavam a indiferenciação entre o divino e o humano, apresentam a absoluta transcendência de Deus e conduzem a cultura ocidental a um dinamismo saudável de secularidade que depois degeneraria num movimento maligno de secularismo, anunciando a morte de Deus e a sua substituição pelo super-homem: “A physis era ilusão e aparência para o homem indiano – o que veio labirinticamente de Platão para o cristianismo. E começou a transcendência. A fidelidade à imanência tornou-se pecado”.7

Ora, podemos identificar na poesia de Sophia o drama da filosofia metafísica cristã contemporânea de autores como Leonardo Coimbra, Eduardo Abranches de Soveral, Karl Rahner, Béla Weissmahr ou Xavier Zubiri que procuram uma nova linguagem ontológica e teológica para conceber a relação entre Deus e o Mundo que evite as posições extremadas do monismo panteísta e do deísmo dualista. A realidade de Deus já não é concebida como transcendente ao Mundo e ausente das criaturas, mas é concebida como transcendente no Mundo e presença manifestativa na sua dinâmica progressão para a Plenitude de infinito e inventivo convívio amoroso. Deus passa a ser concebido como fundamento fontal de toda a realidade numa relação que não é a da objetividade, tal como as coisas se deparam umas com as outras, mas que é uma relação ontológica de presença vital que se experiencia de forma atemática e metafórica na fruição estética, na oração religiosa e na racionalidade simbólica e analógica da metafísica.

Os seres do mundo deixam de ser meros objetos, que estão sob o nosso domínio técnico de avarenta exploração, e passam novamente a reconduzir-nos para o divino que não se projeta das ideias pobres dos homens, mas impõe-se na realidade nua da existência e dos acontecimentos: “Cheirava a maresia e a fruta. Longas músicas pareciam suspensas das árvores e das estrelas. E entre as casas brancas, na noite escura e azul, passava o rolar do mar”.8 Como salientam Aristóteles e Paul Ricoeur, a poesia nesta perspetiva, não é uma mimésis no sentido de representação ou cópia do real natural ou dado, mas é mito, mistério ou narração, no sentido de apresentação de um processo criativo e vital a que os gregos chamavam de physis. À semelhança do que defende Dante no “Purgatório”, a poesia em Sophia adquire dignidade teológica e filosófica, pois é concebida como inspiração divina do Amor.9 São recorrentes as referências da poetisa ao seu trabalho de tradução do “Purgatório” da «Divina Comédia» de Dante que apela à alegoria como presentificação do véu misterioso e divino da realidade. O saber poético é o saber assimptótico da parábola, tal como aparece nas mensagens de Cristo dos relatos do Evangelho. Recordando as suas viagens a Florença de Miguel Ângelo e de Dante confessa a Jorge de Sena que a tradução do “Purgatório”, de que promete enviar uma cópia datilografada, é a sua obra-prima, lamentando a indiferença da crítica.

3. A felicidade irrecusável da presença do real

A coisa mais antiga de que me lembro é dum quarto em frente do mar dentro do qual estava, poisada em cima de uma mesa, uma maçã enorme e vermelha. Do brilho do mar e do vermelho da maçã erguia-se uma felicidade irrecusável, nua e inteira. Não era nada de fantástico, não era nada de imaginário: era a própria presença do real que eu descobria.10

A coisa mais antiga de que me lembro é dum jardim em frente da casa com vista para a serra, no qual floriam camélias e narcisos no Inverno, gladíolos e frésias no Verão. Do verde da serra e do arco-íris do jardim elevava-se uma alegria autêntica. Era a própria presença de Deus que se manifestava.

O espírito não se sobrepõe à matéria de forma artificial e extrínseca, de forma sobrenatural e mágica, mas a natureza é espiritual e encerra esse dinamismo manifestativo de plenificação divina. A experiência estética capta este íntimo movimento ainda antes da luz da racionalidade analógica e expressa-o espontaneamente no poema pela metáfora e pela significação da coincidência de contrários que a imaginação criadora permite. A metafísica da razão comovida e mistérica que depois explique por que razão é esta a forma natural e imediata da linguagem sem que isso signifique, necessariamente, panteísmo ou paganismo.

A racionalidade lógica e estéril anti-metafísica concebe esta intimidade com desconfiança e desprezo pela alegada falta de rigor e objetividade. Mas nesse outro logos da racionalidade poética dá-se a manifestação divina através da irrecusável felicidade e alegria que o esplendor da presença das coisas oferece: uma alegria generosa e autêntica, uma “felicidade nua e inteira”. A fruição estética causada pela beleza e harmonia da natureza e da obra de arte é realização, manifestação, vida, salvação e desenvolvimento. O divino deixa de ser uma ideia, enclausurada nos limites da condição subjetiva de entendimento, manifestando-se no silêncio de todas as criaturas.

Mas como define Sophia, a poesia não serve para o poeta conquistar a imortalidade, mas serve para conquistar a sua vida presente de forma integral, resistindo a tudo quanto a pretende deformar ou desfigurar: “A poesia não inventa outro mundo. Mas procura a verdadeira vida”.11 A realidade que Sophia apresenta nos seus poemas impõe-se e resiste a todas as tentativas de esquecimento e de negação: não é a aparência das religiões dualistas gnósticas, mas é a verdadeira existência. Não é a realidade parmenidiana originária e modelar das ideias, no sentido de ser apenas aquilo que só pode ser pensado como imutável e idêntico a si mesmo, da qual a realidade sensível e material apenas representa uma imagem difusa. Recusando o primado ontológico do universal inteligível em relação ao singular sensível ‒ e sem retomar propriamente a conceção hierárquica neoplatónica da realidade em graus de ser do Uno à matéria, que dará origem à teoria escolástica da participação e da analogia e às teorias emanativas panteizantes do idealismo absoluto alemão, para quem a realidade é apenas função da atividade do sujeito ‒ Sophia reconhece a existência de algo que existe independentemente da consciência que o pensa ou conhece.

Esta metafísica não implica, contudo, uma simples adequatio da inteligência a uma realidade que ontologicamente lhe preexiste e que é absolutamente independente do facto de ser ou não conhecida no sentido de uma existência autónoma dos conceitos universais (ultra-realismo platónico), nem significa a afirmação dos objetos como simples forma ou projeção do pensamento no sentido nominalista e conceptualista ou no sentido de absorção do ser no conhecer (idealismo absoluto), mas significa uma recusa da cisão moderna e cartesiana da realidade entre duas esferas independentes, uma subjetiva (res cogitans) e outra objetiva (res extensa) e de uma cisão kantiana entre o fenómeno e o númeno absolutamente incognoscível, pela afirmação heideggeriana de uma consciência intrinsecamente vinculada ao corpo e ao mundo no sentido de uma intencionalidade ou abertura originária do espírito ao ser (metafísica realista moderada).

Esta terceira perspetiva funda-se numa certa correlação entre o sujeito e o objeto e pressupõe o reconhecimento de um excesso do Ser, que, não exigindo uma posição cética, reconhece a sua manifestação pela mediação da intuição subjetiva, da linguagem, da cultura e da história, num processo dinâmico de permanente abertura ao insondável experienciado de forma estética e apenas dizível de forma simbólica pela palavra poética. Seja pelo realismo, seja pelo idealismo, nem tudo pode ser objetivável, porque o mistério da Vida excede o discurso e exige o silêncio. Sophia apela ao mundo concreto, sem a deformação da subjetividade, que encontra no mundo grego de Homero, mas que não é o mundo simplesmente empírico, mas é o mundo da Vida simultaneamente natural e metafísica na harmonia sagrada de Deus, Homem e Mundo: “Delphos é o lugar mais espantoso que vi na minha vida, um lugar deslumbrante e solene entre montanhas altíssimas, com fontes geladas, em frente dum vale coberto de arvoredos e bosques e com um pedaço de mar a brilhar entre as encostas. Um lugar onde todos os elementos, luz, som, ar, água, terra tomam uma veemência apaixonada e sagrada”.12

 

Notas:
  1. Andresen, S. M. B. e Sena, J. (2010). “Carta a Jorge de Sena, Lagos, Praia de Dona Ana, 22 de setembro de 1961”, in Correspondência 1959-1978. Lisboa: Guerra & Paz, p. 51.
  2. Andresen, “Carta a Jorge de Sena, 18 de Novembro de 1969”, op. cit., p. 116.
  3. Andresen, op. cit., p. 116.
  4. Andresen, “Carta a Jorge de Sena, Atenas, 14 de setembro de 1963”, cit., p. 81.
  5. Andresen, “Carta a Jorge de Sena, Granja, 18 de novembro de 1972”, cit., p. 138.
  6. Sena, “Carta a Sophia de Melo Breyner, Santa Barbara, 22 de dezembro de 1972”, cit., p. 142.
  7. ibidem, p. 139.
  8. Andresen, S. M. B. (1992). “Praia”, in Contos Exemplares. Lisboa: Figueirinhas, p. 135.
  9. Alighieri, D. (s.d.) A Divina Comédia. Andresen, S. M. B. (1981). “O Purgatório”, in A Divina Comédia. Lisboa: Círculo de Leitores, 2.ª ed., XXIV, 52-54.
  10. Andresen, S. M. B. (1985). “Posfácio”, in Livro Sexto. Lisboa: Edições Salamandra, p. 75.
  11. Andresen, “Texto de homenagem de Sophia de Mello Breyner a Jorge de Sena”, in Correspondência 1959-1978, cit., p. 176.
  12. Andresen, “Carta a Jorge de Sena, outubro de 1966”, cit., p. 105.

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