Clarice Lispector e a aprendizagem da morte como afirmação da vida

Cicero Cunha Bezerra

[O homem, embora marcado pelo limite da linguagem, por natureza gagueja palavras forjadas no intuito de romper o abismo silencioso de uma paz que é morte.]

Nesse momento Moisés, liberto de tudo o que é visto e de tudo o que vê, penetra na treva do não-conhecimento, a treva autenticamente mística e, renunciando às percepções intelectivas, chega à total intangibilidade e invisibilidade (Dionísio, 1996, p. 15)

Em Clarice Lispector, o exercício da escrita, ou melhor, o embate agônico com e contra as palavras é algo que permanece como fio condutor em toda sua obra. O exemplo mais claro do esforço do que M. Blanchot chama de preensão persecutória, ou seja, a exigência imperiosa do ato da escrita sobre o autor (2011, p. 16), encontramos no romance Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (1998a). Nele, Clarice, seguindo uma prática comum em outros textos seus, abre o livro com uma nota: Este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. Ele está muito acima de mim. Humildemente tentei escrevê-lo. Eu sou mais forte do que eu (p. 9).

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A epígrafe que, em forma de abertura, segue à Nota, não é menos significativa: A origem da Primavera ou A Morte Necessária em Pleno Dia (p. 12). Quando pensamos a primavera e seu início a partir do equinócio, isto é, em um momento em que a noite e o dia têm a mesma duração, somos tentados a perguntar: o que seria, portanto, uma morte ao meio dia se não a superação de todos os tempos em um instante em que tudo está sem sombras? Mas, deixemos em suspenso, por enquanto, esse aspecto de transgressão espaço-temporal que para o qual o romance aponta.

Pensemos um pouco mais a junção entre a Nota e a epígrafe. O que elas têm em comum? Na Nota, fica claro o tema central que será desenvolvido no romance: a liberdade. O livro, segundo a autora, exigiu uma liberdade que, por sua vez, só se realizou mediante a humildade configurada como uma luta, em primeiro momento, da autora consigo mesma: eu sou mais forte do que eu, no entanto, a superação de si mesmo (do eu) conduz a quê? Estamos convencidos de que o livro é fruto de uma escrita livre em que sujeito e objeto não são dicotomias delimitadoras do exercício do pensamento. Algo muito próximo do exercício de pintar ou de ouvir música descritos em Água viva, como vibrações, clímax, trato com a matéria-prima que se encontra atrás do pensamento (1998b, p. 12).

Essa hipótese se constata com o próprio desenrolar da trama narrativa que converge com o sentido da “morte” expresso na epígrafe. Vejamos melhor.

Desenvolvido mediante um jogo sedutor entre Lóri e Ulisses, um professor de Filosofia, o romance segue margeado por uma suposição em forma de promessa, qual seja: é preciso aprender a viver sem dor (1998a, p. 13). Somente quando Lóri compreender que viver é caminhar para a morte e que esse caminho é um caminho de superação do próprio “eu”, é que Ulisses dormiria com ela (p. 21).

Diferentemente de outros textos de Clarice que seguem um ritmo progressivo que culmina em um acontecimento epifânico como é o caso de A paixão segundo G.H., em Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres temos, desde a primeira página, configurada a luta entre a linguagem, enquanto nomeação das coisas, e o que se resguarda sob o nome[1], como preparação para o que se sucederá de forma abrupta e imprevisível:

Então do ventre mesmo, como um estremecer longínquo de terra que mal se soubesse ser sinal de terremoto, do útero, do coração contraído veio o tremor gigantesco duma forte dor abalada, do corpo todo o abalo e em sutis caretas de rosto e de corpo afinal com a dificuldade de um petróleo rasgando a terra veio afinal o grande choro seco, choro mudo sem som algum até para ela mesma (…) (p. 14)

Esse acontecimento que estabelece a ruptura entre a voracidade de viver e a imaginação, projetada pela protagonista, de uma vida baseada em um “faz de conta” de que não se está morrendo, culmina em um estado de lucidez e calma que a leva a pensar em um “sábio descontrole” (p. 15) libertador oriundo de uma vida primitiva e animal. Na contradição a libertação se dá. É visível a tensão nevrálgica entre o desejo feminino, marcado pela sedução, por um certo cuidado consigo (embelezamento contínuo) e uma profunda insegurança que faz com que Lóri esteja, continuamente, entre a segurança obtida por uma sabedoria instintiva de milênios de mulheres (p. 17) e a insegurança diante do seu objeto de desejo (Ulisses).

Agora pronta, vestida, o mais bonita quanto poderia chegar a sê-lo, vinha novamente a dúvida de ir ou não ao encontro de Ulisses Pronta, de braços pendentes, pensativa, iria ou não ao encontro? com Ulisses ela se comportava como uma virgem que não era mais, embora tivesse certeza de que também isso ele adivinhava, aquele sábio estranho que no entanto não parecia adivinhar que ela queria amor.

Nem meditação, nem filosofia, interessavam a Lóri. Na verdade, ambas eram insuficientes para descrever a experiência inaugural que tem a liberdade, vivida e descrita como vibração de puro desejo (p. 16). Esse sentimento, comparado por ela, somente aos momentos de pré e de pós menstruação, mantém a trama em uma tensão entre os aspectos do feminino, representado, em nosso entender, por práticas tipicamente ritualístico das mulheres como, por exemplo, perfumar-se, usar brincos, vestidos, que ligam-se a uma certa cotidianidade ou hábitos tidos, pela própria protagonista, como instintivos, e uma profunda reflexão sobre o mundo que assume, em Lóri, a própria voz da filosofia. Isso nos leva a pensar na condição de “ponte” que Lóri parece representar. A certeza da existência de uma precisão absoluta em todos os níveis, no mais ínfimo comparado a um alfinete, até a existência de um “sentido secreto das coisas da vida” (p. 18), culminando na descoberta de uma figura interior ou interna, frente a exterior, como condição e garantia para a vida, são temas extremamente comuns a grande parte da tradição filosófica.

Após a descrição árida de um tempo imóvel e sem vida marcado pelo calor e pelas ausências (sede, amor, vontade, Deus, angústia, grito) Lóri grita: Deus me ajude a conseguir o impossível, só o impossível me importa! (p. 27). É curioso que, embora Ulisses seja o símbolo mais próprio da astúcia e, nesse sentido, da própria filosofia, é Lóri quem assume o status de porta-voz da sabedoria. Uma sabedoria que, em si mesma, é reflexo de um saber que exige retorno à sua pátria mais própria, ou seja, a alma e, em sendo assim, o caminho da negação ganha todo o peso frente às determinações particulares e múltiplas dos entes ou objetos que impedem a união íntima entre amante a amado. Tema tão recorrente na mística ocidental, mas particularmente no vigor dos arrebatamentos místicos de Juan de la Cruz e de Tereza d’Ávila, ao apelo à mors mystica associada ao êxtase[2].

Para se chegar a Deus é preciso morrer ou, lembrando aqui das palavras de Cristo em Matheus 16, 25: “Pois aquele que quiser salvar a sua vida, a perderá, mas o que perder sua vida por causa de mim, a encontrará”. Lóri, enquanto encarnação de um “eu” maior, vive entre as coisas como se a ela lhes pertencessem. Uma alienação que ao mesmo tempo lhe propicia prazer, evidenciado, no romance pelas imagens narcisísticas que a personagem define como “gosto de ser” (p. 19).

Não seria um equívoco dizer que na base do processo de descoberta e de liberdade, vivenciada pela protagonista, está a ascese neoplatônica com suas conexões entre o plano do sensível (múltiplo) e o campo do inteligível, marcado pela renúncia radical, sem no entanto significar abandono, do mundo. Ser livre exige a superação da própria vontade. Nesse aspecto, as palavras de Mestre Eckhart são bastante didáticas para o que estamos aqui tratando: “Quando esse templo se torna livre de todos os empecilhos, isto é, da vontade própria e da nasciência, então brilha tão belo e esplende tão puro e claro por sobre tudo ‘amplamente’ e através de tudo (…)” (2006, p. 42). A imagem do escultor, que retira o excesso de matéria do mármore para que a imagem se mostre diretamente, serve para Lóri como aquela que busca: encontrar na figura exterior os ecos da figura interna” (1998a, p. 19).

Aniquilamento da linguagem, aniquilamento do objeto, aniquilamento do próprio “eu” entendido como subjetividade (penso, logo existo). Segundo Benedito Nunes, Clarice eleva às últimas consequências a tensão entre linguagem e pensamento graças aos problemas metafísicos que são inerentes à condição humana (1966, p. 68).

A existência que Ulisses exige como condição para a união com Lóri é negativa. Negativa em dois sentidos: o primeiro diz respeito à negação de si como abertura para a liberdade; o segundo é a negação da vontade como afirmação trágica de que viver é dor, substituída pela negação da negação: é só quando ser não fosse mais uma dor é que Ulisses a consideraria pronta para dormir com ele (1998a, p. 21).

Um aspecto extremamente curioso e importante se encontra no tema da “queda humana”. Distintamente do texto mais comum utilizado como referência a essa temática, o Gênesis e o relato do paraíso 3,1, a queda não tem caráter de pecado ou crime, mas é parte constitutiva, neoplatonicamente, da natureza ontológica dos seres. Os seres querem ser o que são e, no caso do humano, a consciência dessa condição de queda constante para o Nada faz com que os homens amem o Nada, mas também permite que este se erga “apesar de” (p. 27).

Nesse ponto, o Nada que caracteriza a natureza humana e o Nada que aponta para o mistério de um Deus desconhecido se fundem em uma experiência do real caracterizada como “super-realidade” (p. 30).

Estava numa plataforma terrestre de onde por átimos de segundos parecia ver a super-realidade do que é verdadeiramente real. Mais real disse-lhe Ulisses quando ela a seu jeito contou-lhe o quase não acontecimento mais real que a realidade (ibidem)

Uma segunda parte do romance, que traz como destaque a palavra “Luminescência”, inicia-se com uma afirmação oracular: A mais premente necessidade de um ser humano era torna-se um ser humano (p. 32). Mas o que isso quer dizer? Paradoxalmente, essa tarefa parece conduzir para o fato de que o humano, enquanto animal racional fundado na capacidade natural do pensamento, deva ser superado. Lóri chega à conclusão de que pensar não lhe era natural (p. 35) e que, portanto, o sentido mesmo do mundo, não passava pelo o humano, mas estaria nas coisas mesmas enquanto desprovidas de todos os sentidos:

Sobretudo aprendera agora a se aproximar das coisas sem liga-las à sua função. Parecia agora poder ver como seriam as coisas e as pessoas antes que lhes tivéssemos dado o sentido de nossa esperança humana ou de nossa dor. Se não houvesse humanos na Terra, seria assim: chovia, as coisas se ensopavam sozinhas e secavam e depois ardiam secas ao sol e se crestavam em poeira. Sem dar ao mundo o nosso sentido, como Lóri se assustava! (ibidem).

Esse estado de luminescência, derivado do espanto frente à própria natureza humana, vem descrito como indizível e intransmissível. Silencioso pensar que ousa naufragar em seu limite: a morte. A vida não é de se brincar porque em pleno dia se morre (p. 32). Essa relação entre vida e morte é acompanhada por uma tensão entre o dizer e o silêncio. O homem, embora marcado pelo limite da linguagem, por natureza gagueja palavras forjadas no intuito de romper o abismo silencioso de uma paz que é morte. Ao vivenciar a meditação do silêncio Lóri entrou na profunda noite secreta do mundo (p. 37).

É importante dizer que há dois níveis, pelo menos, de silêncios expostos na obra: o silêncio que chamaríamos das coisas e o silêncio que se revela diante do Nada. O primeiro pode ser quebrado por um movimento, como por exemplo, de uma folha que se desprende uma árvore. O segundo, não. Esse é consequência de uma desnudez que exige espera a luz que brilhará nas trevas: Que se espere. Não o fim do silêncio mas o auxílio bendito de um terceiro elemento: a luz da aurora (p. 39).

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É na instantaneidade, quando menos se espera, que o silêncio irrompe sob a forma de um “não entender” que conduz ao infinito, descrito como o próprio Deus. Um “não saber” que não é ignorância, mas uma “doce inteligência” que resguarda o não entendido, pois compreender era sempre um erro preferia a largueza tão ampla e livre e sem erros que era não entender (p. 44)[3]. E o que está na base dessa sábia ignorância? Ulisses, em um dos momentos mais belos do romance, nos dá uma pista: Esperarei nem que sejam anos que você também tenha corpo-alma para amar (p. 47). Como se pode perceber é do amor que se trata, ou melhor, da fuga de amar que seria o mesmo que a fuga do outro. Na prece, em tom baixo, severo e triste, pede Lóri: que eu perca o pudor de desejar que na hora da minha morte haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém (p. 56).

A confirmação do que estamos dizendo vem logo em seguida quando a narradora afirma que somente quando Lóri pudesse sentir plenamente o outro estaria salva e pensaria: eis o meu porto de chegada (p. 57). Todo o romance tem como eixo a liberdade ou o clamor à liberdade frente às aparências, convenções e fingimentos cultivados quando não se possui a inocência e um olhar para as coisas sob a ótica do amor. Mas a aprendizagem de amar se assemelha ao abandono, ou melhor, implica abandono e enfrentamento. No caso de Lóri, o embate consigo mesma fez com que suspeitasse até mesmo de Deus, “uma das poucas grandezas de que vivia” (p. 66), superando sua concepção particular, entregando-se ao cosmos e ao Nada. A partir de então, despersonalizada e não mais um “eu”, Lóri caminha em peregrinação para o Nada que, paradoxalmente, é Tudo (ibidem).

Há uma passagem do estado de “ser” para o “sendo“ que não devemos perder de vista. No estranhamento, advindo de um descobrimento de que o sublime se encontra no trivial e o invisível sob o tangível (p. 70), Lóri sussurra para Ulisses: eu estou sendo (p. 71), mas isso foi por um instante, quando Ulisses pede que repita o que disse em sussurro, já não há mais possibilidade. Mas ele, entendeu que ela estava sendo. Um grande passo havia sido dado e Lóri havia chegado a compreensão de que todas as coisas estão “sendo”. Da aranha à criança, tudo fascinava Lóri em sua felicidade oriunda do espanto e do amor pelo mundo. Mas isso é perigoso, inseguro e angustiante[4].

Entre a angústia e o medo frente à felicidade, a mediocridade parece ser uma porta mais fácil e segura: prefiro a mediocridade. Ah, milhares de pessoas não têm coragem de pelo menos prolongar-se um pouco nmais nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz e preferem a mediocridade. Ela se despediu de Ulisses quase correndo: ele era o perigo (p. 73). Lóri já é trânsito. A essa altura no não querer há um querer que deseja experimentar o mundo. Adentrar na vida como quem entra no mar. Por sinal, nenhuma passagem do romance expressa de maneira melhor o caminhar paulatino de Lóri em direção ao ininteligível do que essa:

A praia ainda estaria deserta e ela ia aprender o quê? Iria como para o nada.

Vestiu o maiô e o roupão, e em jejum mesmo caminhou até a praia. Estava tão fresco e bom na rua! Onde não passava ninguém ainda, senão ao longe a carroça do leiteiro. Continuou a andar e a olhar, olhar, olhar, vendo. Era um corpo a corpo consigo mesma dessa vez. Escura, machucada, cega- (…)

Nesse corpo a corpo está o embate exigente do confronto de si consigo mesma. Lóri diante do mar é Lori diante de si. Seu adentar nas águas segue um ritmo que tem seu início em um estado de alerta que é descrito como sem pensamento. Caminho lento, progressivo, submergindo vagarosamente sentido o iodo, o sal, até tornar-se, por um instante, cega. O que parece um mergulho também é penetração e gozo. Lóri sente o mar como “o líquido espesso de um homem” (p. 80). Erotismo, sacralidade, realidade nua em forma de ondas que resvalam o corpo entregue em êxtase. Com muita razão, Benedito Nunes afirma que O livro dos prazeres realiza uma espécie de dianóia, isto é, um exercício do pensamento que tem como base uma espécie de eros filosófico que o anima (1966, p. 99).

Finalmente, como conclusão, diríamos que Lóri, assim como Ulisses, são imagens da criação humana que enquanto palavras, escritas ou faladas, trazem sempre a marca do Mistério que faz das trevas seu véu (Sl. 18,12). Diante do que se resguarda no silêncio, a escrita é milagre. É acontecimento e, enquanto tal, exercício de libertação “porque no impossível é que está a realidade” (1998a, p. 108). Esse é o grande fruto da aprendizagem desenvolvida entre Lóri e Ulisses, os seja, aceitar o desafio de navegar no desconhecido mar que é o humano. Curiosamente, essa aprendizagem culmina no reconhecimento do mistério de estar vivo.

Lóri chega ao fim da aprendizagem “vendo o vazio” (p. 121). Uma visão que, como já dissemos, é desconhecimento, mas, também, lucidez diante de uma vida que se recria a cada dia sob o peso do extraordinário e da sombra da morte. Eis a grande graça e o grande dom em forma de fugidio êxtase: Ulisses, o filósofo, encontra em Lóri o que sempre buscou: embriaguez da santidade. Lóri, a aprendiz, encontra em Ulisses a sedução diabólica que a conduz à felicidade. Ambos, agora amantes iguais, desfrutam de uma realidade total em que o amor é o único antídoto para o divino absurdo que é a vida.

  Bibliografia BIBLIA DE JERUSALÉM, São Paulo, Paulus, 2004. BLANCHOT, M., O espaço literário, trad. Álvaro Cabral, São Paulo, Rocco, 2011. COHER, E., El silencio del nombre, interpretación y pensamento judio, México, Anthropos, 1999. DIONÍSIO, P.A., Teologia mística, trad. Mário Santiago de Carvalho, Porto, Medievalia, 10, 1996. ECKHART, M., Sermões alemães, trad. Enio Paulo Giachini, Petrópolis, Vozes, 2006. LISPECTOR, C., Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, São Paulo, Rocco, 1998a. _____________, Água viva, São Paulo, Rocco, 1998b. NUNES, B., O mundo de Clarice Lispector, Manaus, Governo do Estado, 1966. _________, O drama da linguagem, uma leitura de Clarice Lispector, 1995. NOLASCO, E.C., Restos de ficção, a criação biográfico-literária de Clarice Lispector, São Paulo, Annablume, 2004. PONTIERI, R., Clarice Lispector, uma poética do olhar, São Paulo, Atelier Editorial, 2001. ROSENBAUM, Y., Clarice Lispector, São Paulo, Publifolha, 2002. SÁ, O., Clarice Lispector, a travessia do oposto, São Paulo, Annablume, 2004.

NOTAS DO TEXTO

[1] Estamos próximos do que Esther Cohen chama de “generosidade da linguagem”. Diz ela: o nome próprio é nossa primeira morada no mundo dos homens (1999, p. 9). O nome acolhe o humano enquanto o que lhe define como criatura, diferentemente do criador que, resguardado por um nome que não lhes corresponde, exige superação de todo nome. Deus é inominável, embora nomeável por vários nomes.

[2] Estamos de acordo com a análise de Regina Pontieri (2001, p. 20) que sustenta a diferenciação entre a metafísica clariciana e a mística como ascese e união com Deus. No entanto, defendemos a necessidade, inclusive para que a comentadora não instaure uma contradição quando afirma, também, uma certa filiação do pensamento de Clarice para com autores como Mestre Eckhart, assim como, com o apofaticismo, que seja feita uma clara distinção entre mística, em uma visão tradicional, que nos parece ser a que a comentadora usa como contraponto, e uma mística que, ao contrário de negar o mundo sensível, postula uma adentrar nas coisas como condição para a transcendência. Infelizmente, esse tema extrapola a intenção e os limites desse nosso trabalho. Fica, portanto, o alerta para a complexidade que a noção “mística” comporta.

[3] Yudith Rosenbaum, em seu introdutório livro Clarice Lispector (2002), cita a opinião de Plínio W. Prado Jr., que sustenta a ideia de uma “estética do fracasso” em Clarice. Nessa perspectiva, a não nomeação do inominável revelaria, através da linguagem, o que se evola (Idem, p. 45).

[4] Benedito Nunes ressalta que os elementos como angústia, náusea, silêncio, entre outros, apontam para uma concepção do mundo que exige uma interconexão entre eles. Teríamos, assim, nas palavras de Benedito: uma unidade do pensamento que os engloba, e por onde passa a linha de continuidade temática da obra de Clarice Lispector (1995, p. 100).

Este artigo é parte integrante do projeto de pesquisa junto ao CNPQ-Bolsa PQ2