Sociedade civil e CPLP: contributos para a promoção e divulgação da Língua Portuguesa

Maria José Maya

[A língua portuguesa afirma-se, internacionalmente, entre outros aspetos, pelo número de falantes que congrega, 244 milhões, de acordo com as estatísticas da CPLP publicadas em 2012, estimando-se que este universo se situe em cerca de 350 milhões em meados deste século.]

As Comemorações dos 8 Séculos de Língua Portuguesa iniciaram-se a 5 de maio de 2014, o Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP, e terão o seu espetáculo de encerramento no dia 4 de julho no Centro Cultural de Belém..

Têm como missão celebrar a língua portuguesa nas suas mais diversas vertentes e geografias, enquanto imperativo de cidadania, o que se coaduna com um conjunto de instrumentos em matéria de promoção e difusão da língua portuguesa emanados da CPLP, de entre os quais destacamos o terceiro eixo de ação da CPLP, que estipula a “cooperação na expansão internacional da língua portuguesa e na ação cultural”.

A 8 Séculos de Língua Portuguesa-Associação, entre outros referenciais, recorre aos documentos emanados da CPLP, porque chancelados por uma estrutura multilateral e resultantes de consensos dos países membros da CPLP, no contexto da sua ação em política de língua.

A língua portuguesa é uma língua românica que emerge do latim falado no noroeste da Península Ibérica e dos empréstimos dos substratos locais, bem como dos que foram acompanhando a sua expansão no ocidente peninsular, para sul. Grafada cedo no seu percurso, decorrem presentemente oito séculos do conhecimento dos textos mais antigos. Por razões históricas, a língua portuguesa é hoje língua oficial de nove países e uma região administrativa, em geografias em que dialoga sincreticamente com outras línguas, assumindo novos contornos linguísticos, ao ponto de chamar a atenção da revista Monocle que, no seu número de outubro de 2013, intitulado Geração Lusofonia, a designou como a nova língua de poder e de negócios.

A língua portuguesa afirma-se internacionalmente, entre outros aspetos, pelo número de falantes que congrega, 244 milhões, de acordo com as estatísticas da CPLP publicadas em 2012, estimando-se que este universo se situe em cerca de 350 milhões em meados deste século; afirma-se, também, no universo das outras línguas, pela vantagem cultural, social, política e económica dos povos que a que detêm e que é demonstrada em estudos como o Relatório das Línguas para o Futuro (2013) do British Council e pelo interesse que desperta face ao potencial económico que comporta no conjunto dos nove países que a têm como língua oficial.

É num mundo em profunda e veloz mudança, pois “nada muda já como soía”, que o Relatório das Línguas para o Futuro de 2013, do British Council considera que a aprendizagem da língua portuguesa será vital no Reino Unido, posicionando-a entre as 10 línguas mais faladas no mundo face ao número de falantes que a têm como língua materna, sendo antecedida, por ordem decrescente do número de falantes, pelo mandarim, árabe, hindu, espanhol e inglês.

Neste relatório, a língua portuguesa surge como uma das 10 línguas cruciais para a prosperidade, segurança e influência do Reino Unido no mundo, razão bastante para que se reflita sobre a sua projeção internacional.

Presentemente, a internet constitui-se como o fator mais significativo na globalização das línguas. As estatísticas de 2008 do World Internet Statistics estimam que o número de pessoas que se inscreve em grupos linguísticos maioritários on-line deva rondar os 1570 milhões de utilizadores, surgindo a língua portuguesa como a quinta língua na internet, com 73 milhões de utilizadores, antecedida, por ordem decrescente pelo inglês, mandarim, espanhol, japonês e surgindo ex-aequo com o francês, sendo seguida pelo alemão, árabe, russo e coreano.

É neste enquadramento que adoptamos a definição de McConnell (2003) que nos reporta que a “geostratégia”, no que se refere às línguas, é definida em termos de um modelo de pesquisa empírico que deverá permitir um largo monitoramento e análise das mudanças no número de utilizadores e dos usos atribuídos às línguas, estando em concomitância, a título de exemplo, com o modelo proposto pelo Relatório das Línguas para o Futuro, do British Council, que propôs os seguintes indicadores, (a) balança de comércio externo; (b) a necessidade de recorrer às línguas sentida pela área dos negócios no Reino Unido, (c) as prioridades de negócios do governo inglês, (d) emergência de mercados de crescimento rápido; (e) prioridades diplomáticas e de segurança; (f) os interesses de aprendizagem das línguas manifestados pelos cidadãos; (g) os destinos de viagens dos cidadãos do Reino Unido; (h) os níveis de proficiência do inglês nos outros países e (j) a prevalência de diferentes línguas na Internet.

No contexto do presente mapa político mundial, assistimos em 1996 à criação de uma estrutura multilateral, a CPLP, que vem propondo estratégias de atuação em política de língua, respeitante à língua portuguesa, consubstanciadas nas diferentes cartas, conferindo-lhe um novo enfoque, no plano multilateral e global, desempenhando aqui o IILP-Instituto Internacional da Língua Portuguesa, um papel relevante.

O investimento numa política concertada na promoção e divulgação da língua portuguesa no seio de todos os estados membros da CPLP potenciará o esforço necessário a imprimir na área da educação no contexto da Agenda para o Desenvolvimento Pós 2015, sabendo todos nós que um bom domínio da língua oficial permite aos cidadãos ascenderem a patamares mais elevados em termos de educação, através do acesso ao conhecimento, à cultura e à aquisição de competências profissionais, permite às populações a melhoria da qualidade de vida, potenciando uma melhor intervenção cívica e uma participação democrática mais eficaz. Um bom domínio das línguas e, em particular, da língua portuguesa, contribui para a inclusão social, uma maior convivência entre culturas, promovendo a paz e conferindo a garantia da prosperidade das gerações presentes e futuras.

A sociedade civil assume um papel estruturante no contexto da CPLP, o que nos obriga hoje a refletir sobre a adoção de um plano estratégico que exige o conhecimento exaustivo das necessidades e potencialidades existentes no seio da comunidade e, de acordo com o estipulado nas Resoluções 2004 e 2008 da CPLP, em particular, no que diz respeito ao “desenvolvimento de estratégias de promoção da imagem de poder e de valor acrescentado da língua portuguesa”, um dos eixos estruturantes emanados da 2ª Conferência da Língua Portuguesa no Sistema Mundial, em outubro de 2013.

Em janeiro do corrente ano, o Primeiro Ministro da República da Guiné-Bissau, Eng. Domingos Simões Pereira, sublinhou que chegou a altura de o português ser uma língua de trabalho na União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA), organização maioritariamente francófona. Por seu lado, o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, afirmou, aquando da sua elevação a Cardeal, que seria “importante” uma maior valorização da língua portuguesa nos trabalhos em reuniões da Santa Sé, na medida em que a língua permite uma aproximação entre os vários cardeais de países de língua portuguesa com representação no novo Colégio Cardinalício da Igreja Católica, na medida em que defende que, “quando falamos em português há muitas coisas que vêm ao de cima e que têm a ver com o nosso património comum”.

Falar na mesma língua oficial que atravessa nove nações e uma região administrativa coloca-nos, no plano dos afetos, em proximidade em múltiplas geografias, um privilégio único em termos geoestratégicos e comunicacionais, conferindo aos falantes de língua portuguesa a possibilidade de aceder a um espaço identitário rico, porque potenciado pela multipolaridade que o define no quadro das nações que a detêm como língua oficial.

As organizações da sociedade civil colocam-se ao serviço da «res publica», dialogando em rede com outras entidades. Movem-se, hoje, estas organizações, num mundo multipolar, no quadro de uma cidadania solidária, protagonizada por sujeitos de responsabilidade e hospitalidade, enquanto espaço antropológico, gizado na complexidade das relações a que subjaz o sentido de responsabilidade e compromisso exigidos pelo tempo que vivemos.

As organizações da sociedade civil agem, hoje em dia, na esfera pública congregando-se em lugares que possam potenciar a sua ação. Enquanto entidade promotora das Comemorações dos 8 Séculos de Língua Portuguesa, a Associação envolve pessoas e instituições, num trabalho em rede, em parceria, com cariz policêntrico em todas as geografias dos países de língua oficial portuguesa, conferindo visibilidade aos contributos que vão chegando, numa perspetiva de um ganho recíproco. O objetivo é capacitar comunidades e investir na valorização mútua. A articulação em rede com entidades promotoras nos países e região de língua oficial portuguesa permite trazer à luz uma vasta riqueza cultural e conferir expressão a esta larga comunidade de afectos. 

Ângela Berlinde, da série "Native", 2004
Ângela Berlinde, da série “Native”, 2004

Nesta língua de mar e mundo, as parcerias ocupam um lugar de relevo, porque são potenciadoras da ação. No âmbito das Comemorações e ciente de se mover num contexto multipolar em cada um dos países e região administrativa, a 8 Séculos de Língua Portuguesa-Associação estabeleceu relações com diversas entidades promotoras que interpretam as Comemorações dos 8 Séculos de Língua Portuguesa e promovem uma reflexão sobre a língua a partir da sua perspetiva cultural. Age em parceria com a Academia Cabo-verdiana de Letras, a Associação de Escritores da Guiné-Bissau, o Instituto internacional de Macau e, noutra geografia, com a Academia Galega da Língua Portuguesa.

Esta associação tem também presente que a língua portuguesa representa um fator de coesão social no seio dos povos que a falam e é plataforma comum de comunicação e cultura, traduzindo-se num valor no seio da união dos povos de língua oficial portuguesa, no contexto global e afirmar-se-á, neste contexto, tanto mais quanto maior for a participação cidadã, em particular se se verificar em rede, em parceria e com cariz policêntrico, valorizando as comunidades que a compõem.

O papel da sociedade civil revelar-se-á tanto mais necessário, quanto permitir ancorar as ações em prol do desenvolvimento das comunidades, ações estas, de acordo com Marx Weber, “fundadas na solidariedade sentida (afetiva ou tradicional) dos participantes em constituir um todo, traduzindo a unidade na diversidade”. Reportando-nos às iniciativas da sociedade civil, que acrescentam valor às comunidades, centramo-nos nas Comemorações dos 8 Séculos de Língua Portuguesa e aguardamos que os falantes de língua oficial portuguesa em todas as geografias continuem a ser elementos propulsores destas Comemorações, conferindo visibilidade à língua portuguesa, promovendo-a e divulgando-a através das suas ações.

A 8 Séculos de Língua Portuguesa-Associação destaca, entre as ações mais relevante que tem promovido, a primeira emissão filatélica conjunta de todos os operadores postais dos correios dos países de língua oficial portuguesa, intitulada “8 Séculos de Língua Portuguesa”, promovida pelos CTT – Correios de Portugal e chancelada pela Associação Internacional das Comunicações de Expressão Portuguesa, o que constitui um acontecimento histórico inédito e relevante. Assim, no dia 5 de maio de 2014, foram emitidos em simultâneo os selos de Portugal, do Brasil e Cabo-Verde. Neste mesmo dia, a Academia Cabo-verdiana de Letras assinalou também o início das Comemorações dos 8 Séculos de Língua Portuguesa, com um evento em parceria com os Correios de Cabo Verde e o Centro Cultural Português, na Cidade da Praia. Também por proposta da 8 Séculos de Língua Portuguesa-Associação, a Imprensa Nacional-Casa da Moeda lançou um concurso internacional aberto aos cidadãos dos países de língua portuguesa e diásporas para emissão da medalha comemorativa dos 8 séculos de língua portuguesa, que foi lançada no dia 27 de junho de 2014.

Partindo do princípio que um ato poético é um ato político, a 8 Séculos de Língua Portuguesa-Associação tem vindo a realizar na Casa Fernando Pessoa um ciclo de poesia dedicado aos países de língua oficial portuguesa, em articulação com diferentes entidades, nomeadamente a Associação Cabo-verdeana, em Lisboa, a Associação de Escritores da Guiné-Bissau e a Embaixada de Timor-Leste. Nestas ações, para além da declamação da poesia, a 8 Séculos de Língua Portuguesa-Associação tem feito o seu enquadramento dando corpo aos diferentes imaginários, cientes de que a memória individual e coletiva é vital para a construção identitária das nações, ganhando particular relevância numa ação de cariz policêntrico, como é o caso das Comemorações dos 8 Séculos de Língua Portuguesa.

Reconhecendo a sua ação, a 8 Séculos de Língua Portuguesa-Associação foi convidada a participar no Seminário sobre A Projeção Internacional da Língua Portuguesa: presente e futuro, organizado pela CPLP-Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que decorreu em 20 de fevereiro de 2015, integrando o painel “Iniciativas da sociedade civil para a promoção e divulgação da língua portuguesa”.

Reportando-nos a ações desenvolvidas por outras entidades, e a título de exemplo, salientamos, no Brasil, a intervenção da Universidade da Amazônia, que no âmbito das Comemorações dos 8 Séculos de Língua Portuguesa, promoveu em 2014 durante todo um semestre uma reflexão comunitária sobre a língua portuguesa, afirmando que a celebração desse idioma com oito séculos escrita propicia a mobilização de saberes diversos e abordagens transversais, como ciência, comunicação, arte, cultura, saúde, mundo, povos, globalização, entre muitas outras, pelo que iniciou um conjunto de actividades em torno da Língua Portuguesa que desejou que fosse exemplo da sua substância e lhe tornasse evidentes as múltiplas valências.

Cientes de que as Comemorações dos 8 Séculos de Língua Portuguesa têm ajudado a promover uma reflexão alargada sobre a língua portuguesa em rede, em parceria, em múltiplas geografias, e face a um futuro que deve ser atendido numa ampla perspetiva conjunta e multipolar, no âmbito dos países da CPLP e da região administrativa especial de Macau, envolvendo todos os falantes de língua portuguesa, ousamos afirmar, glosando Pessoa, que esta língua oficial comum que nos une, tecida em afetos e maresia, a língua portuguesa, “é o som presente d’esse mar futuro”!

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Ângela Berlinde, da série "Nature", 2004
Ângela Berlinde, da série “Nature”, 2004